sábado, 25 de junho de 2016

SAMBA DE REIS E CHULAS










                                          Roberto Carlos, carinhosamente chamado de Betinho, apelido de infância, era chegado a um samba de reis. Corria três freguesias com seu pandeiro afinado para cantar sambas, chulas, batuques e martelos. Fazia dupla com qualquer cantador, na primeira ou na segunda, era ao mesmo tempo baixo, barítono e tenor, embora não tivesse muita consciência destas qualidades vocais e muito menos de suas diversas classificações e técnicas. Tocava da cuia à viola e era bom no repique das palmas. Eu vou, eu vou, que mandaram me chamar. Me dê uma lima da limeira de teu pai.
                              Sambas existiam o ano inteiro, mas de dezembro a janeiro é que choviam convites para festas de reis, comemorado em 6 de janeiro, mas que se estendia por dois meses, celebrando o Deus Menino.
                     Um dia chegaram cantando lá em casa, de supetão, sem ninguém esperar. "Oh de casa, Oh de fora, `se menino vai ver quem, são os sambadô de reis, e quem mandou foi São José".
                  Foi muito bonito. Eu já estava dormindo e acordei atordoado com aquele som. Fiquei no meio da sala feito um pateta, as mãos juntas, com vontades de bater palmas, mas com  vergonha. 





sexta-feira, 24 de junho de 2016

UM CABA DESTEMIDO













                                    Roberto Carlos não tinha medo de morrer. Quem diria que um dia morreria numa cama fétida do Hospital Irmã Dulce! Até enfrentara Lampião. Dizem, certa feita Lampião o convidara para entrar no cangaço e ele se negou. O capitão se zangou,não era homem de aceitar desfeita, mas lhe disse que o dispensava se ele pulasse a porteira de um salto. Só se o senhor me der distância, capitão. Tome a distância que quiser, se não pular, morre.
             Roberto, caba destemido, deu vinte  passos para trás, tirou o chapéu, consertou as calças e partiu em abalada, a menos de um metro fez o salto, suplantando a porteira sem a menor dificuldade. O capitão ficou boquiaberto, mas não teve nem tempo de admirar o feito. Roberto, de costas, deu salto mortal e pulou a porteira de volta.
          Contam os matutos que Lampião tinha medo de pessoas mais valentes ou mais destras do que ele. Não se tem certeza disto, mas o fato é que Roberto Carlos, fora dispensado de servir ao cangaço, prova de que o capitão mantinha a palavra dada. Tempos, aqueles tempos, quando o dito valia mais que mil documentos. Hoje, nem uma sentença é definitiva, porque os juízes mudam mais de opinião que camaleão mudam de cor, sem contar nos que vendem, descaradamente, suas sentenças para obedecer a interesse financeiros e políticos,que dá no mesmo, posto que a política que deveria ser a arte de governar as pessoas, passou a ser uma profissão rentável, tão rentável quanto o futebol e a música popular. Vejam como jogadores, palhaços e cantores viram políticos. Tempos heroicos no qual se lavava a honra com o próprio sangue.
             Roberto Carlos, seu nome é uma homenagem. A seu bisavô que se chamava Ruperto, mas que o populacho chamava de todo jeito: Ruperte, Ruberte, Roberte, Roberto. Na briga, na hora de registrar, ficou Roberto. Duas regras existiam para se nomear um filho. Primo, colocar o nome de um parente, seguindo a maneira portuguêsa; Doi, o nome do santo do dia do nascimento. Nascera em 4 de novembro, dia de São Carlos Borromeu, um nobre milanês, feio como um cão danado, sobrinho do Papa Pio IV, por isso, feito cardeal aos 23 anos, mesmo antes de ser padre, uma das imoralidades da Igreja. Também houve briga na família pela homenagem ao santo, e,  para satisfazer a todos registraram-no Roberto Carlos, homenageando-se, assim,  o bisavô e o santo,fez-se a paz na família. Não, porém, o único, na família teve muitos, talvez, desta vez, mais em homenagem a ele, do que ao patriarca e ao santo, que diziam em tom de troça o santo borrado.
             Cresceu ao cantos de galos na madrugada, o piar das corujas, chacoalhar do gado no curral,fazendo parede e meia com o oitão da casa e o canto dos pássaros do amanhecer ao anoitecer. À noite ouvia o som do pandeiro do pai acompanhando o repicado da viola do tio, cantando chulas, ensaiando batuques. Um dizia um mote o outro respondia, e depois os dois cantavam em dueto. Ouvindo-os, relembrava o som das palmas em uníssono e em contratempo, a cuia estridente e o prato arranhado, à reco-reco da ultima festas de reis. Eu conheço a cor da água, nunca vi a cor do vento... Sem as mãos não bate palmas, eu nunca vi rastro de almas, nem couro de lobisomem... Uma infância como qualquer outra do sertão, curtindo o frio do inverno, a seca do verão,comendo requeijão quente feito pela mamãe, rapando o tacho do pão de ló. Boa a massa do ovo na manteiga e mel.