sábado, 23 de dezembro de 2017

DIABO LOIRO SOU EU















                                                 Onde estás agora, Diabo Loiro? Teu olhar coriscava o sertão, tua lança chameja nas noites secas, onde se ouve o silvo do bacurau. Vingastes  teu amigo, Lampião? Como é difícil vencer as forças da opressão. Morre-se, outros virão, com outra cor, o mesmo coração.
                          Cristino Gomes da Silva Cleto é o meu nome, Corisco para o mundo. Não sou, nem nunca fui bandido. Você acredita mesmo nesta versão? Eles são donos do poder, o que dizem passa ser verdade. Quem é louco de desmenti-los? Quem o faz é trucidado. A mentira repetida, será verdade. Eles sabem disto. Tu não os contesta.
                         Estava deixando o cangaço, não por covardia, por cansaço. Cansaço. Era traição por cima de traição. Estava em Barra do Mendes, quando eles chegaram. Como sempre covardes, desleais e corruptos. As volantes nos deixavam em paz, quando lhes davam dinheiro, nem sempre a gente tinha dinheiro para lhes dar, então se tornavam ferozes.  

sábado, 30 de setembro de 2017

                                                   
             








                           


                     Quando você vê um Dominguinhos chorando com saudades de sua terra; Quando pára para ouvir as toadas do Nordeste você, talvez, compreenda o amor de seus filhos por este pedaço de chão seco e esturricado, mas generoso no verde. Até o gado solta cabriola no pasto; O canto do galo é mais garrido, o pio do urutau, menos agourento; A seca não mata o nordestino, mas tente silenciá-lo,  e verão um morto. De tristeza. Banzo agreste deste Nordeste. A terra explica o homem. Cangaço, só o Nordeste tem. Calam o homem, falam carabinas, gritam Virgulinos. América não vai, acoita, apenas. Não foi Roberto Carlos, irá um dia? Choram viúvas, choram mães, choram filhos abandonados na sequidão pelos que buscam no Sul o alento, mas dali não arredam até que venha cair de novo o verde no sertão. E na volta da asa branca, volto eu, meu coração. 

sábado, 24 de junho de 2017

MARIA BONITA

   





















                                           América sonhava. Sim tinha  um sonho. Conhecer Maria Bonita e Lampião. Alguém já lhe dissera que ela era mais bonita que Maria Bonita e seria um perigo se o capitão se apaixonasse por ela. Não estava interessada na pessoa dele, admirava-o por seus atos, mas não o achava charmoso e muito menos bonito. Sabia, por isto, que Maria Bonita não iria sentir ciúmes dela. Seriam muito amigas. Não queria, porém, integrar o bando. Não se via uma cangaceira. Gostava de vida arriscada, mas gostava também de conforto, de vida social. Frequentava todas as festas de Mairi e da vizinhança. Várzea da Roça, Várzea do Poço, Orobó, Capela e Pintadas e todas outras. Foi mesmo numa missa que conheceu seu marido. Sonhara com ele antes de conhece-lo. Diz o povo que se alguém pegar um objeto qualquer, antes de uma estrela cadente sumir e colocá-lo debaixo do trabesseiro, sonhará com o homem com quem vai-se casar. Pois, com América assim foi. Pegou uma pedra enquanto uma estrela caía, pô-la debaixo de seu travesseiro e sonhou com um homem desconhecido. Este terminou por ser marido. Foi em uma missa em Aroeira. A igrejinha estava cheia, pois haveria naquela missa, batismos e casamentos. Uma cavalhada estava chegando do Canto. O povo do Canto era famoso em cavalhada e casamentos suntuosos. Inúmeros cavaleiros e cavaleiras montam garbosos cavalos, ricamente arreados para acompanhar os noivos.  Quantos mais cavalos mais importante era o casamento. Quando se ouviu o tropel dos cavalos quem estava na igreja saiu, das janelas e portas surgiam pessoas de todas as idades. No meio de tantos cavaleiros, America viu, montado em lindo alazão, um homem moreno, de bigode bem aparado, porte majestoso que o distinguia dos demais cavaleiros. Trocaram um olhar. America deixou cair uma flor de seu cabelo. O cavaleiro aproximou-se e sem apear colheu a flor e a entregou a América. Nem uma palavra entre os dois. Nem mesmo um agradecimento da parte dela. Seu rosto corou e todos olharam para ela. Soube depois se tratar do maior amansador de animais da região. Não só isto. Sabia cantar como ninguém. Bom de viola, de pandeiro, de cuia e prato.                              

quinta-feira, 18 de maio de 2017

CANTAR SEM TEMER























                                 Euclides da Cunha sem ser nordestino contou o sertão baiano como quase nenhum outro contou. Mas se Euclides conta o nordeste de maneira cientificista foi preciso nascer na Bahia um trovador capaz de cantar em versos, à maneira quase medieval, a saga baiana, já no final do século vinte e  limiar do século vinte e hum. Falo do malungo Elomar, cantador de trovas e martelos, já correu o mundo inteiro, inté cantou na portas de um castelo de um rei chamado João. O rei queria que ali ficasse, ele disse, não. Prele, cantador e violeiro só três coisas contavam neste mundo vão. Viola, forria, amor. Dinheiro, não. "Mana, vem ver., os sapinhos tão cantando, tiranas do bem-querer";

                                   Ora, Yê Yê, Oxum, linda Uyara,  de verde e negros pêlos, Vós, Rainhas das Águas de meu sertão, dai-me uma fúria grande e sonorosa, para cantar sem temer as coisas de meu sertão; Dai-me igual canto aos feitos da famosa gente sertaneja.