quarta-feira, 26 de dezembro de 2018











                                           
                                             América armou uma tacuruba sobre a tarima do fogão, pegou umas achas de lenha, catou uns gravetos e acendeu um fogo. Depois pegou o aribé e se pôs a catar café para caldear. Ela gostava de torrar o café na tacuruba, trempe de três pedras, depois era só retirá-as e limpar a tarima. Gostava também de caldear o café com rapadura e não com açúcar, ficava mais gostoso, dizia. Também o doce de leite, feito com rapadura, tinha um gosto especial. 

terça-feira, 13 de novembro de 2018

















                                                 Uádi é rio seco meu rimão. A gente anda por dentro dele, n´areia quente, os pés cansados, a boca seca, barriga roendo, suor correndo, em busca d´água. Cava e cava e nada. Aqui, ali, uma vaca morta, sendo comida pelos saprófagos, animais, insetos, alimentando-se de sua carne, aquela morrinha no ar. Quase nenhum piar de pássaros, fugidos da seca, apenas o zumzumzum de urubus, limpadores do sertão. Qui sole quente. 

sábado, 13 de outubro de 2018







                                   Roberto Carlos, o Betinho não só cantava, era, na região o rei do pandeiro, fazia dele mil instrumentos, quem de longe o ouvisse pensava estar ouvindo vários instrumentos. Interessante, fora do samba era de uma timidez impressionante. Alguém me informa sobre este fenômeno? Quantos no mundo são assim? Incrível o ser humano. Nelson Gonçalves sendo gago, quando cantava, esquecia a gagueira. Tive um colega na Escola de Teatro, na Ufba, que sendo gago, quando ao palco subia, a gaguez sumia. Walter, grande ator, onde andarás agora, amigo? A vida é assim, morremos e não a compreendemos.

terça-feira, 2 de outubro de 2018













                      Aroeira, Pintadas, Capela, Várzea da Roça,  Mairi dormem tranquilas, a noite calorenta, coberta de muriçocas e mosquitos. À tardinha, podia-se ver, encimando cabeças, em forma de pote,  mil insetos, as muriçocas, de canto enfadonho, dominavam o ambiente, pousando sobre o sujeito, picando-lhe a pele. Batia-se em si próprio, matá-las, matava-as? Nem sempre. Ligeiras. Uma armadilha. Deixavam-nas  sugar bem o sangue, ficavam pesadas, e, então, Táaa. A carapanã estrebuchava, sangue sugado, sangue derramado. Indagação de alta significação científica e filosófica. Como poderia, tão pequena, sugar tanto sangue? Mberussoca, herança tupi. Que herdade nos deixaram os índios. E os danados andavam nus. Será que os mordiam, ou ficaram amigos?  Lei da natureza, rica. Mais do que sonha a nossa vã filosofia.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018










                                                    Sila, ilda Ribeiro, de Poço Redendo em  Sergipe. Eu arrumo minha mala para sair para a rua. Mas Zé Sereno vai se casar comigo. A gente tirava uma pedra  e colocava no mesmo lugar, para esconder os rastros. A gente entrava para o cangaço mais pela brutalidade da volante. Lampião não era mal, roubava comida, bode na catinga cujo dono nem se sabia quem e se dividia entre os mais pobres. Nossa comida era dividida. Ninguém fala disto. Cangaço era resistência. Resistência ao coronel. Safados eram. A gente, nem melhor, nem pior que os outros. O fazendeiro roubava o pobre. Na conta na hora do pagamento, na conta de tarefa, quando ia pagar o trabalho. Roubava em tudo e ficava por isto mesmo. Quem reclamasse, cadeia. Lá, tinha mais trabalhador que ladrão. Era sim, o cangaço, uma resistência.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

TERESINHA, TU HOJE VAI











                                                Oh mundão vei, sem porteira, não acaba não mundão, tu é muito bão. Nem a seca nos desgosta. É até bom, limpa o sertão de um bocado de nojeira, lama nos pés, resfriado e catarro, frio danento na pele, sem roupa pra´gasalhar. Teresinha, tu hoje vai, Teresinha, tu hoje vai, Teresinha, tu hoje vai. Tum, tum, tum, tum um tum. Acorda, mamãe, vem ver a pancada do pilão bater. A pancada do pilão bater, acorda mamãe vem ver. Aqui hoje nós vadeia. Aqui hoje nós vadeia, aqui hoje nós vadeia, oh dona da casa, aqui hoje nós vadeia, aqui hoje nós vadeia. O batuque comendo no centro. O capitão adora nossos sambas, tinha prazer cantar pra ele.

sexta-feira, 14 de setembro de 2018












                                      Onde estás agora, neste mundão de meu Deus, meu bem querer. Em que toca, em que loca tu te escondes. Oh vida, quisera eu nunca ter vivido, pra viver vida assim. Queria tu aqui comigo, pisando pilão, catando feijão, isto é que é vidão. Vorta Betinho, vamos fazer um angu, cantar uma chula, rolar pelo chão. Tu não sabe a falta que tu fazes nos sambas que hoje se canta. Todos choram tua falta. Ninguém puxava uma chula como tu. Ninguém segura um batuque com tu. 
                               Sonha América, o sonho esmaga a realidade. 

segunda-feira, 3 de setembro de 2018












                                 Seu moço, eu sou lá do sertão, do interior, bem  lá do mato, a catinga, o roçado, o meu trato. De lá quase não saio, aqui, não tenho amigo, aqui, posso dizer, eu vivo, mas vivo contrariado. Me faz falta ovo fresco de galinha, batido com farinha e fritado no toucinho, trincando nos dentes o torresmo, bebendo da moringa a água fria. Ah, seu moço, eu quase não sei de nada, sou como rês desgarrada, nessa multidão, boiada caminhando a esmo.  

quarta-feira, 29 de agosto de 2018











                     
                                      Terra de jagunços, coronéis, volantes e cangaceiros. Ninguém sabia, porque não se tinha interesse em dizer qual destes grupos era pior. Hoje, passados alguns anos, olhando-se com os olhos da ciência e isento de prejulgamentos, conclui-se, o cangaço, o menos ruim, o único com os olhos voltados para as injustiças sociais, contrário aos demais que eram grupos de apoio ao statu quo,  às elites e ao poder. Por isto, combatido e criminalizado. Os coronéis, heróis, seus jagunços endeusados, a volante a mesma coisa, embora jagunços e volantes deixasse, por onde passavam, um rastro de sangue e saques, tudo encoberto pela farda e as insignias do Estado.

terça-feira, 14 de agosto de 2018









                                                    Era a turma de Lampião. Não dava ainda pra saber se ele estava no grupo. Lampião tinha estratégia. Dividia seu grupo em  subgrupos. Isto, justamente, dificultava sua captura. De longe gritavam. América, América, tamos chegando, bota água no feijão. E gritavam e riam. E tocavam gaita, o realejo. Nos grupos de lampião, quase todos tocavam um instrumento. Uma pequena orquestra, humanizando-os. Lampião entrou no cangaço na tropa de Sinhô Pereira, que, abandonando o cangaço, o nomeou chefe do bando. Virgulino tanto se aperfeiçoou  no combate e na direção da tropa, tornando-se praticamente  imbatível. Se não fora os traidores, talvez a história fosse diferente. Sim, traidores, foram os pequenos fazendeiros que  recebiam ajuda de Lampião que o traíram. Cangaceiros não se achavam ladrões, tomavam dos mais ricos, muitos  grileiros de terras dos mais fracos,  para se manterem e ajudar  os mais pobres.

sexta-feira, 20 de julho de 2018















                                                       O vei Leôncio gostava de samba, mas gostava mais de uma pinga. Bebia o ano inteiro, todos os dias, o dia todo. Pouco, em tempo de menino, o vi são. Mesmo em casa guardava sua cachacinha, escondido da vovó também chegada a uma branquinha. Ela também escondia sua garrafa e era uma briga danada quando um descobria a garrafa do outro e bebia dela para economizar a sua. Não dizem que a cachaça mata, pois a veia morreu com 98 anos o  vei com 108. Talvez a veia tenha morrido primeiro porque tivesse o costume de mascar fumo, o veio não mascava, só fumava. Quanto sonho com a Ponta Coroa, o Malacacheta, eu nunca soube mesmo como era o nome da fazenda do vovô Leôncio. Era tanto malacacheta pelo chão que se a gente não tivesse cuidado escorregava a caía. Os animais sempre escorregavam, parece que tinham um coisa que os segurava. Nunca soube de ter algum animal caído naquelas estradas pavimentadas, naturalmente de mica. Quando batia o sol, chega encandeava a gente. Tinha-se de andar com cuidado. O povo do Malacacheta, o povo do Canto sabia andar por ali, mas qualquer de fora tinha que andar com muito coidado, senão era queda certa. Tio Pichane contara que um dia veio da Capela um pobre coitado trazer uma encomenda, e, como tinha pressa, andava quase correndo, pois o pobre coitado não tomara mais de dez quadas? Numa delas ficou com uma dor e um inchaço que durou muitos dias para curar. Foi muito pano quente, muita água de sal, muita compressa de mastruz e tudo que lhe diziam servir para o inchaço. Menino me perguntava para que serviam tanto malacacheta. Ninguém sabia dizer ao certo. Somente Dequinho de tio Pichane sabia alguma coisa sobre a mica. Saíra do Canto cedo e fora para o garimpo, curioso, comprou livros aprendeu a ler e estudou muito sobre minérios.  A mica é uma riqueza, serve pra muita coisa, mas ninguém vem explorar. Uma pena. Tanta mica, branca, preta, marrom, roxa e verde. Se viessem explorar todos poderiam estar ricos, ou bem de vida. Lamentava-se. Os cangaceiros gostavam muito, vinham de toda parte buscar malacacheta para enfeitar suas roupas e chapéus. Ali ninguém se escondia deles. Todos eram amigos, quando vinham traziam muita novidade que davam a todo mundo, sem que lhes pedissem. Eram terços, xales, espelhos, caixinhas de pó de arroz, perfumes, tudo traziam e distribuíam com todos. Nós, eu digo os meus, lhe davam galinhas, porcos, e caças diversas, as mulheres lavavam suas roupas. Era uma festa quando eles apareciam.  Não eramos coiteiros, mas não os denunciávamos à volante, muito mais feroz que eles. Parece que sempre foi assim, hoje está até pior. Não há nesta terra quem não tenha pago alguma coisa, mesmo sem dever a um policial. Como os juízes, nem feira fazem é só mandar levar em casa. Eles não querem nem ter o trabalho de carregar a feira. Alegam estarem em serviço e o pobre do feirante é que tem de se virar para mandar a feira do soldado. Será que não há como acabar com isto?  

domingo, 1 de julho de 2018











                                   

                         
                             
                                                  Estava sentada na pedra, quebrando licuri. As galinhas esticavam o pescoço para roubar o bago, mesmo antes de quebrar. Impacientes. Tinha de ter cuidado para não bater a pedra na cabeça delas. Patos também faziam isto, contudo, ainda eram mais pacientes. Os porcos ficavam de longe, quebravam o licuri com os dentes, não precisavam de ajuda. Não sei porque ainda não inventaram u´a máquina para quebrar licuri. Tão importante, e ainda não fizeram isto. É preciso uma eternidade para quebrar um quilo de licuri, e vender inteiro é muito barato. Os armazéns preferem-nos quebrados. Fazer sabão, óleo de coco e outras coisas. Levam para Juazeiro e Petrolina para a fábrica dos Coelho. Muito rico, o alicuri. ´Tanta coisa se faz com ele e nem assim tem valor. Cozido, então, como é gostoso. Cozinha-se quase verde, de vez. Para se comer com café. Desde cedo aprendi a lutar com licuri. A gente tamém come seu palmito. Não é muito gostoso, mas dá pra comer. Comida de pobre, dizem. Gosto mesmo é do cozido. Também gosto da paçoca. Pisa o licuri no pilão com açúcar ou rapadura e farinha. Também para comer com café.
                                      Estava assim sentada na paz da tarde. Aqui, acolá, grito de passarinhos. O tamborilar do pica-pau, a fogo-pagô, o misterioso peixe-frito ou matintaperê quando ouvi um tropel de cavalos ainda longe. Iti malia, lá vem coisa.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

NA SOMBRA DA ASA BRANCA




                                       
                                       

                                       Planto meu vôo sob a sombra da Asa Branca, no balanço do ganzá, no resfolêgo da sanfona, no galope a contratempo, fujo, fujo do sertão. Do sertão, desertão, do sertão, desertão, não morrer,  meu alazão. Oh que dor no coração, oh que dor, eu não sei não.Tu me ensina a fazer renda que eu te ensino a namorar. No resfolêgo  da sanfona. Eu vi a ema cantar no tronco do  juremá. Será que nosso amor, morena, está pra se acabar? No resfolêgo da sanfona, eu te ensino a namorar. Resfolego resfolega, resfolego resfolega. Vai prá, vem prá cá, vai prá lá, vem prá cá. Vai prá lá vem prá cá. Dois prá lá, dois prá cá. Dois prá lá, dois prá cá. Asa branca bateu asa, foi-se embora, me deixou, numa triste solidão. Oh, meu Deus que faço, triste desertão, chove chuva, chove sem parar, por favor não pares não, até encher me caldeirão, pois eu vou fazer uma prece, para encher meu caldeirão. Asa Branca foi-se embora, mas agora vai vortar, quando encher os tanques todos, quando encher meu caldeirão. E aí, todo tempo quanto houver pra mim é pouco, pra dançar com meu benzinho numa sala de reboco. Cai, chuva, pode cair, todo tempo que cair pra mim é pouco, estou dançando numa sala de roboco.


                                        




                                                         

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

SÚPLICA NORDESTINA








                                         Roberto gostava de cantar e quando Gordurinha lançou seu "long-Play" logo trouxe para seu repertório a Súplica Cearense. Cantava-a em todas festas a que era convidado, sempre dizendo, prestem atenção na letra. No fundo, todos nós temos, também,  culpa de tudo isto.   

Súplica Cearense
Waldeck Artur de Macedo (Gordurinha)
Nelinho
  
Oh! Deus, perdoe este pobre coitado
Que de joelhos rezou um bocado
Pedindo pra chuva cair sem parar
Oh! Deus, será que o senhor se zangou
E só por isso o sol arretirou
Fazendo cair toda a chuva que há
Senhor, eu pedi para o sol se esconder um tiquinho
Pedi pra chover, mas chover de mansinho
Pra ver se nascia uma planta no chão
Oh! Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe,
Eu acho que a culpa foi
Desse pobre que nem sabe fazer oração
Meu Deus, perdoe eu encher os meus olhos de água
E ter-lhe pedido cheinho de mágoa
Pro sol inclemente se arretirar
Desculpe eu pedir a toda hora pra chegar o inverno
Desculpe eu pedir para acabar com o inferno
Que sempre queimou o meu Ceará